Poema de Sete Faces de Carlos Drummond de Andrade: Análise
Chama-se Poema de sete faces, por ser uma composição de sete estrofes e, em cada uma delas, o eu-lírico vai revelando seus sentimentos ou jeito de ser.
Veja também: Antologia poética
Segue o texto na íntegra
Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Análise:
Na 1ª estrofe, o anjo torto que existe na vida dele pode simbolizar um mau conselheiro, que o encaminhou de forma errada proporcionando a ele uma existência infeliz. Este anjo o manipula a ponto de determinar-lhe o destino. Drummond se utiliza de um estrangeirismo francês a palavra "gauche", que corresponde a esquerdo em português e nesse caso adquire o sentido de desajustado. O eu-lírico se via "torto", "canhestro", gauche diante de si e do mundo.
Na 2ª estrofe, ele faz referência ao desejo sexual dos homens, questiona com isso o seu próprio eu. Se não tivesse essa busca sexual desenfreada, talvez não fosse tão só. Talvez tivesse conhecido o amor...
Na 3ª estrofe, o eu - lírico sente-se sozinho, apesar da multidão que o cerca, alheio, indiferente aos fatos e às pessoas que parecem incomodá-lo com tanta agitação, ele distancia-se da realidade.
Na 4ª, ele é o homem que está atrás do bigode e dos óculos, por sua seriedade e isolamento, parece esconder-se atrás desses adereços para evitar a convivência com as outras pessoas, o que o assusta.
Na 5ª, Deus é questionado pelo eu - lírico, o qual julga que o Todo-Poderoso o deixou em um caminho errante e que por isso ele é um fracassado, diante da vida.
Já na 6ª estrofe, o coração dele é mais vasto que o mundo, tal qual é a grandeza de sua solidão. A tristeza dele parece não caber no mundo , ao qual não se adapta. Ele afirma que apesar de se chamar Raimundo que significa protetor, poderoso, sábio, é uma pessoa que tende a se isolar, pois é muito rigorosa consigo mesma e supervaloriza as virtudes dos outros. Mas, quando se conscientiza da sua própria importância, torna-se capaz de dar apoio e conselhos valiosos a todo o mundo, só serviria para rimar com o mundo, não para solucionar os seus problemas.
E na última, o eu - lírico confessa que fez tais revelações sobre si mesmo devido ter-se embriagado. Isto teria o encorajado a confessar sua própria miséria, coisa que seria incapaz de fazer se estivesse em sã consciência. Nem isso... Deus o esquecera dele e ele acabara comovido como o diabo, ou seja, acabara sem nenhuma dignidade.
Assim, neste poema, Drummond, de modo metafórico, transmite uma visão negativa do homem, uma visão desesperançada em relação à vida. O eu - lírico se vê injustiçado diante do mundo e do abandono de Deus. O seu referencial é o seu próprio eu insatisfeito, buscando, desejando, retraindo-se, bebendo.... O destino é o fracasso, a concretização da previsão do anjo: "vai ser gauche na vida".
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