Toni Morrison Estará na História Como Uma Gigante Literária
A impressão que se tinha é que Toni Morrison gostaria de se instalar numa barricada e lutar, em tempo integral, pela causa dos negros (uma espécie de La Pasionaria Negra). Se tivesse ficado, teria sido uma excelente militante, uma guerreira de uma causa justa. Porque os negros foram e ainda são discriminados nos Estados Unidos e em vários países. O racismo é uma ferida que não cicatriza. William Faulkner, autor de “Luz em Agosto” e “Absalão, Absalão”, percebeu que a escravidão - o racismo é a escravidão comportamental - é a maldição dos Estados Unidos, talvez não apenas do Sul. Faulkner, diga-se, é branco. Por sinal, Toni Morrison, negra, estudou sua literatura a fundo e escreveu criticamente (o que não quer dizer negativamente) a respeito.
Harold Bloom é admirador da prosa de Toni Morrison, mas implica com seu engajamento, que, na sua percepção, ganha cores fortes na nos seus romances. Não há dúvida de que a militante da causa negra está presente na literatura da escritora. Mas o que é forte mesmo na sua prosa é a escritora imaginativa e dotada de uma linguagem poderosa. A autora de “Amada” e “A Canção de Solomon” - o segundo romance mesmeriza Harold Bloom - escreveu uma literatura que certamente ficará, que não desaparecerá nos desvãos do nobre e irredutível tempo. Porque escreveu de maneira engajada, mas fazendo alta literatura. Sua literatura não é panfleto, mesmo quando quer fazer política, interferindo na realidade via ficção, o que sobressai é a ficcionista inventiva, refinada (mas nada pomposa).
O grande crítico Harold Bloom deveria ter perguntado o seguinte: como pode uma autora engajada, uma militante, escrever uma literatura tão imaginativa e poderosa? Pois é: não sabemos a razão (ou razões) exata, mas talvez derive do “excesso” de talento e consciência de que a literatura, para ser grande, ainda que precise falar da circunstância, tem de transcendê-la (o que não é o mesmo que “perdoar” fatos imperdoáveis). Talvez seja possível sugerir que, no caso de Toni Morrison, a militância - o engajamento - contribuiu para fortalecer seu imenso talento, dando-lhe ideias, temas. Não a prejudicou em nada. Tornou-se uma gigante literária dos séculos 20 e 21. Agora, quando tentam transformá-la em mera panfletária, colocando a militante na primeira fila e a escritora na segunda fila, estão prestando um desserviço tanto à literatura quanto à própria militância política.Livros de Toni Morrison disponíveis no Brasil
Os jornais enfatizaram ao noticiar a morte de Toni Morrison, aos 88 anos: “Morre Toni Morrison, primeira escritora negra a receber o Nobel de Literatura” (“O Globo”). O título a diminui? Não. Era negra e se orgulhava disso. Mas ganhou o Nobel graças ao seu imenso talento, não se trata de uma premiação compensatória. Entre os escritores americanos, merece um lugar ao Sol entre Hawthorne, Melville, Faulkner e, claro, o gigante Ralph Ellison, autor de “Homem Invisível” (um romance extraordinário). Seus livros foram bem editados no Brasil, quase sempre pela Companhia das Letras.
Seria possível pensá-la como uma Charles Dickens dos negros? Talvez sim. A diferença é que não há aura romântica na sua prosa. Há um realismo gritante “escaldado” pela surrealidade - daí certo fantástico em “Amada” - da escravidão e das vicissitudes posteriores, como a brutalidade da exclusão dos negros, o racismo.
Harold Bloom é admirador da prosa de Toni Morrison, mas implica com seu engajamento, que, na sua percepção, ganha cores fortes na nos seus romances. Não há dúvida de que a militante da causa negra está presente na literatura da escritora. Mas o que é forte mesmo na sua prosa é a escritora imaginativa e dotada de uma linguagem poderosa. A autora de “Amada” e “A Canção de Solomon” - o segundo romance mesmeriza Harold Bloom - escreveu uma literatura que certamente ficará, que não desaparecerá nos desvãos do nobre e irredutível tempo. Porque escreveu de maneira engajada, mas fazendo alta literatura. Sua literatura não é panfleto, mesmo quando quer fazer política, interferindo na realidade via ficção, o que sobressai é a ficcionista inventiva, refinada (mas nada pomposa).
O grande crítico Harold Bloom deveria ter perguntado o seguinte: como pode uma autora engajada, uma militante, escrever uma literatura tão imaginativa e poderosa? Pois é: não sabemos a razão (ou razões) exata, mas talvez derive do “excesso” de talento e consciência de que a literatura, para ser grande, ainda que precise falar da circunstância, tem de transcendê-la (o que não é o mesmo que “perdoar” fatos imperdoáveis). Talvez seja possível sugerir que, no caso de Toni Morrison, a militância - o engajamento - contribuiu para fortalecer seu imenso talento, dando-lhe ideias, temas. Não a prejudicou em nada. Tornou-se uma gigante literária dos séculos 20 e 21. Agora, quando tentam transformá-la em mera panfletária, colocando a militante na primeira fila e a escritora na segunda fila, estão prestando um desserviço tanto à literatura quanto à própria militância política.Livros de Toni Morrison disponíveis no Brasil
Os jornais enfatizaram ao noticiar a morte de Toni Morrison, aos 88 anos: “Morre Toni Morrison, primeira escritora negra a receber o Nobel de Literatura” (“O Globo”). O título a diminui? Não. Era negra e se orgulhava disso. Mas ganhou o Nobel graças ao seu imenso talento, não se trata de uma premiação compensatória. Entre os escritores americanos, merece um lugar ao Sol entre Hawthorne, Melville, Faulkner e, claro, o gigante Ralph Ellison, autor de “Homem Invisível” (um romance extraordinário). Seus livros foram bem editados no Brasil, quase sempre pela Companhia das Letras.
Seria possível pensá-la como uma Charles Dickens dos negros? Talvez sim. A diferença é que não há aura romântica na sua prosa. Há um realismo gritante “escaldado” pela surrealidade - daí certo fantástico em “Amada” - da escravidão e das vicissitudes posteriores, como a brutalidade da exclusão dos negros, o racismo.
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